Psicóloga Vanessa Jaccoud explica os conflitos internos da transexualidade

 

Exibida pela segunda vez na telinha ‘Força do Querer’ discute o assunto com a personagem Ivana.

 

Na novela “A Força do Querer”, – lançada pela Rede Globo, em 2017, e exibida, novamente, agora – a personagem Ivana, interpretada pela atriz Carol Duarte, passou por momentos decisivos para descobrir sua verdadeira identidade de gênero. Acompanhada por uma psicóloga, a personagem percebeu que, além de homem trans, ela também pode ser homossexual.



Este tema vem dando o que falar nas discussões promovidas pelos grupos que discutem a audiência, que está batendo recordes, mesmo três anos depois da primeira exibição.

Segundo a especialista do Rio de Janeiro, Vanessa Jaccoud, Psico-Oncologista e Psicóloga Clínica, falando em Sexualidade Humana, a identidade de gênero, diferente da orientação sexual, é o ato de não ter identificação com seu gênero de nascimento, de se sentir pertencente à outra identificação, diferente da biológica. Ou seja, uma criança pode nascer menina e ao longo da vida perceber uma identificação com o feminino, ou não, como isso também pode acontecer com um menino.

Considera-se na verdade a condição de ser “trans” muito mais complexa na teoria, bem como na prática. Além de outros impactos ligados à questão da transgeneridade, existem problemas mais evidentes como a não aceitação na sociedade, dificuldades na hora de conseguir um emprego, conquistar a redesignação sexual, mudança para o nome social, além de tanta discriminação e preconceitos, os quais não faltam desde o início do percurso de transição até a fase de maturação da transição em si. Existem ainda outros obstáculos mais graves, que influenciam o fator psicológico. Tudo é delicado e complexo nesta área do humano.

De acordo com Vanessa Jaccoud, o processo de percepção da própria transgeneridade se dá, através de alguns indicadores no próprio desenvolvimento humano, tal como a disforia de gênero, que provoca intensa inquietude e incômodo ao indivíduo trans, por entender que o seu corpo não reflete o que este realmente é. “Esta falta de identificação, acaba ocasionando outros problemas como ansiedade, angústia, depressão, e até mesmo questões mais graves, como ideações e tentativas de suicídio, pois, de forma perturbadora, pode transformar tanto os sentimentos da pessoa, quanto ocasionar problemas familiares e profissionais”, avalia a profissional.

Na trama, esse conflito interno que Ivana sente vem desde criança e foi alimentado pela mãe para viver uma feminilidade que não fazia parte do seu interior e com isso, ela deixa de entender o real sentido da pessoa que é.

Segundo Vanessa, com alguns indivíduos, podem ocorrer desconfortos indicadores da incongruência de gênero desde a infância, porém, somente no desenvolvimento da pessoa, serão evidenciados os impactos predominantes. Os indivíduos transexuais sentem como experienciando o corpo trocado, demandando o tratamento psicológico, o qual é de extrema importância na condução de todo processo de reconhecimento do seu próprio self.

Cabe ao profissional qualificado na área, contribuir para que esse indivíduo primeiro seja acolhido na sua dor existencial e assim caminhem em conjunto para seu autoconhecimento e redução ou extinção dos conflitos implicados no quadro. Com ajuda profissional a pessoa poderá entender o que está acontecendo consigo, e ser orientada a buscar a terapia hormonal, e até mesmo a cirurgia de redesignação sexual, caso deseje, recebendo orientações técnicas do especialista quanto a todo o processo.

Na novela da Glória Perez, a autora relata as diferenças da transgeneridade em outros contextos, através do personagem Nonato, interpretado por Silvério Pereira, que é um travesti que ama seu corpo e não tem problemas com sua identidade de gênero. Isso é abordado de forma nítida mostrando outra situação.

“Transexual, transgênero e travesti são termos que acabam confundindo muita gente sobre quais seriam as distinções entre estes indivíduos ou termos. No caso do personagem Nonato, posso apontar que os travestis são exclusivamente indivíduos do gênero masculino que se percebem melhor no gênero feminino, sendo mulher, irão usar roupas do sexo feminino durante parte da vida para ter uma experiência temporária ou permanente de ser do gênero feminino. Alguns não farão a redesignação, outros sim. Eles podem enfrentar os mesmos conflitos e impactos que os transexuais e os transgêneros, além de encarar a falta de  respeito à diversidade sexual. Por razão das identidades se pautarem pela ideia da autoidentificação, sempre será mais assertivo compreender como o indivíduo se percebe e aprender sempre a respeitar essa questão” – explica Vanessa Jaccoud.

Existe muita confusão com relação às diferenças de orientação sexual e identidade de gênero, mas a psicóloga pontua: “A orientação sexual faz com que uma pessoa busque relacionamentos afetivo-sexual com pessoas do mesmo sexo (homo), sexo oposto (hétero) e ambos (bi), isso se ela não for um indivíduo assexual (não tem interesse na atividade sexual) ou pan (atração por pessoas, independente de seu sexo ou identidade de gênero). Já na identidade de gênero a questão é o sentir-se, perceber-se e identificar-se como mulher ou homem”.

Vanessa relata que apesar do tema ser discutido no horário nobre da televisão brasileira, mesmo após terem se passado três anos da primeira exibição, ainda existem muitas barreiras e tabus ao falar sobre transexualidade.

Para a psicóloga, que é residente em Psicossomática pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1º ambulatório com atendimento multiprofissional do mundo em Psicossomática), a educação é fundamental, pois se torna um incentivo falar sobre o assunto em vários lugares, permitindo que esses pré-conceitos se dissolvam.

 

Texto: Paula Ramagem.

Foto: Divulgação.