Ludmilla, união feminina e empoderamento: “Foca no
meu bumbum".
“Ludmilla
in the house”. E foi assim que ela entrou no palco do Prêmio Multishow 2020.
Tudo deu certo para Ludmilla. A cantora acertou em cheio ao marcar o lançamento
da sua música, “Rainha da favela”, quando também faria o seu show na premiação,
que marcou a primeira performance do seu novo single. De quebra, ainda levou
pra casa o prêmio de música do ano, com “Verdinha”, momentos antes de subir ao
palco. Em seu discurso, Lud reforçou a importância de estar de volta como
vencedora na mesma premiação em que foi vaiada no ano passado, ao receber o
prêmio de “Cantora do ano”. Naquele momento, ela protagonizava uma das maiores
brigas da música em 2019: a confusão com Anitta por conta dos créditos na
composição da canção “Onda diferente”.
A
briga com Anitta, aliás, deu origem à “Cobra venenosa”, single da Ludmilla.
Pelo menos é o que dizem, mesmo que a própria negue. “Gosto de tirar proveito das situações de forma positiva”, disse
Lud em um trecho do mini doc postado em suas redes sociais para o lançamento de
“Rainha da favela”. E foi para falar de superação que a música nasceu. A
cantora quis destacar o empoderamento das mulheres, do poder de cada uma sobre
o próprio corpo e até sobre o direito de agir em relação a ele, como bem
entenderem. “My pussy mata rindo”,
inclusive, é uma das frases da música. Não vou nem traduzir, hein?! Que eu sei
que vocês entenderam.
Superação e performance aclamada.
Estar
bem resolvida não significa estar indiferente aos ataques que sofreu, ao longo
de sua carreira, e sofre até hoje. Em sua performance, no Prêmio Multishow
2020, antes de cantar sua nova música, Ludmilla colocou áudios fortes de
racismo e intolerância que foram direcionados a ela. “O cabelo dela tá parecendo um bombril”, dizia um deles. Um outro a
associa a uma criminosa: “A cantora
Ludmilla precisa entender se ela quer ser cantora ou traficante” e em
outros pudemos ouvir trechos de reportagens de televisão denunciando o racismo
que a cantora sofreu, inclusive o caso em que foi chamada de macaca por um
internauta. Logo em seguida mostrou que
sempre que cai dá a volta por cima, e fez sua elogiada apresentação.
Inspiração e, finalmente, união feminina.
Bem…
Só de ganhar a categoria “Música do ano” com “Verdinha”, Lud mostra a que veio.
A canção fala quase que abertamente de maconha, tema polêmico por si só, e teve
como inspiração a hipocrisia da sociedade ao redor do uso da erva. Para “Rainha
da favela”, Ludmilla encontrou inspiração na comunidade. “É lá que moram as verdadeiras rainhas pra mim”, disse. “De lá saem as mulheres mais raçudas que
conheci e por isso essa homenagem a elas”. Para essa homenagem, a cantora
resolveu chamar grandes rainhas do funk, mulheres que vieram antes dela e que
foram referências para a sua carreira: MC Carol de Niterói, Valesca Popozuda,
MC Kátia Fiel e Tati Quebra Barraco. As quatro participam do clipe da música.
Em
comum, as funkeiras têm os famosos “proibidões”, com letras de total
empoderamento feminino que eram feitas muito antes da palavra estar na moda.
Mas, além disso, se tinha uma coisa que as letras, dos anos 2000 tinham era
briga de mulher. Ô se tinha: era “fiel” contra amante, muita invejosa e
beijinho no ombro distribuído como provocação. Elas, hoje, entendem que a união
feminina é mais que importante. Foi a tal guerra contra as amantes que fez a MC
Kátia ganhar o apelido de Fiel. “Entrei
no funk para defender as mulheres com compromisso”, explicou a própria no
mini doc feito pela equipe de Ludmilla para o lançamento do novo projeto.
Valesca, que há alguns anos cantava “do
camarote quase não dá pra te ver”. Hoje, afirma que fala o que quer, mas
com ressalvas. “Seja uma rainha sem pisar
e humilhar as pessoas”. Se antes, ter um marido “que banca” era troféu,
hoje em dia já não é mais. Para MC Carol, independência é não depender de
homem. “Rainhas são batalhadoras que
sabem se virar”, diz. A disputa
entre mulheres está longe de acabar, mas aos poucos, parece que logo, logo vira
coisa do passado. “Eu sempre quis a união
das mulheres”, diz Tati. “Ludmilla
proporcionou isso com essa música”.
O clipe, banho de guaraná e churrascão
na laje.
Para
o clipe de “Rainha da favela”, Ludmilla foi para a comunidade da Rocinha. É na
comunidade que ela acredita que vivem as verdadeiras rainhas batalhadoras e
guerreiras. Como codiretora, ela teve a ideia de colocar no clipe uma mesa que
faz referência à Santa Ceia, onde as cinco funkeiras passam, uma para a outra,
coroas imaginárias. A referência ao momento religioso não foi para afrontar. Em
entrevista ao jornalista Leo Dias, Lud explicou que a intenção era dar
importância e mostrar a cúpula do funk, representando o famoso churrascão na
laje. “Não há intuito de criticar ou
cutucar, eu queria que todas fossem vistas e nada melhor do que uma reunião com
todas compartilhando whisky, charuto e champagne”, disse. A bebida cara se
misturou a várias referências do que faz sucesso no cardápio do subúrbio, do
Rio de Janeiro: frango assado, torta salgada, espetinho à vontade e até um tipo
de canapé conhecido como “sacanagem”, uma delícia feita com presunto, azeitona,
cereja e queijo, em um palito de dente. Só achei que faltou um clássico da dona
Silvana, mãe da artista.
Quando
Lud apareceu, ainda como MC Beyoncé, conheci em um trabalho de rádio e ela
falava pra todo mundo que estava comendo no camarim: “vocês estão gostando disso aí, é porque não comeram a macarronese da
minha mãe”. É com orgulho sempre que a cantora fala das mulheres da
família. Em seu mini doc ela diz que considera primeiro a avó e depois a mãe
como suas verdadeiras rainhas e que, inclusive, salvou o número das duas assim
no telefone. No clipe, Lud protagoniza cenas sensuais ostentando dinheiro com
outra grande rainha da sua vida, sua esposa Brunna. Em outras cenas, Lud
aparece subindo em um jatinho. Ela é raiz, mas também é poderosa!
Em
alguns trechos do clipe, Ludmilla aparece em cima de um caminhão que acabou de
tombar. Ela compra a carga do motorista com bolos de dinheiro pra fazer a
alegria da comunidade. A cena faz referência ao que acontece quando algum tipo
de carga acaba tombando próximo a algumas comunidades. É normal que a população
se aglomere para garantir o seu engradado e levar para casa algum produto que,
provavelmente, não teria na mesa. Lud transforma o que poderia ser triste em
uma cena divertida e cheia de festa, tomando um baita banho de guaraná em
garrafa pet, junto com a galera e a criançada que está em volta.
Continuação?
Será
quem teremos um “vem aí”? Ou uma continuação? O final do clipe tem Ludmilla no
jatinho falando em espanhol ao telefone dizendo que acaba de subir no avião e
que está chegando. Até aí tudo bem. Mas a direção do clipe, de Felipe Sassi,
alimenta a imaginação de quem conhece seu trabalho. Felipe é famoso por criar
universos que conversam entre si, nos seus trabalhos. Foi assim com os clipes
de Lia Clark, Wanessa, Gloria Groove e IZA. As histórias de cada um dos clipes
se cruzaram, em alguns momentos. Eu aposto em uma nova parceria de peso em
espanhol ou na artista passando a bola para o clipe de outro artista. O que
vocês acham?
Mas
a pergunta que não quer calar mesmo é: “Rainha da favela” é um proibidão?
Depende de como você quiser escutar. Um dos trechos da música diz “foca no meu bumbum”, que,
malandramente, Ludmilla deixa em aberto. “Se
você ouvir rápido, ouve soca”, explicou a cantora. “É o trocadilho da Lud”, conclui. Cada rainha que escolha a sua
versão, não é mesmo?
Texto:
Gustavo Neves.
Foto:
Divulgação.